O mosteiro de Monte Cassino está situado a 520 metros de altitude, encarapitado à beira de um penhasco rochoso, na província de Frosinone, região do Lácio, Itália.
Dista pouco menos de dois quilômetros a oeste da cidade homônima, Cassino; 80 quilômetros ao norte de Nápoles; e cerca de 130 quilômetros a sudeste de Roma.
Sua construção teve início no ano de 529, por Benedicto de Núrsia, tornado santo pela Igreja Católica em 1220, passando a ser conhecido por São Bento.
Ao longo dos séculos, a abadia foi destruída por Lombardos, em 577, e por Sarracenos, em 887, tendo sido reerguida em ambas as ocasiões, até atingir sua idade de ouro, entre os séculos XI e XII, quando três Papas da Igreja Católica saíram de seus quadros de monges: Estevão IX, Vittorio III e Gelasius II. Ainda assim, a abadia foi saqueada, no século XII, por tropas de Frederico II, então Imperador do Sacro Império Romano e Rei da Itália.
Em 1349, o monastério foi completamente destruído por um terremoto, sendo reconstruído graças à intervenção pessoal do Papa Urbano V, membro da Ordem de São Bento, que visitara o local alguns anos antes de ser alçado ao trono e São Pedro, ocasião em que ficara compungido pela decadência do lugar.
O mosteiro ainda seria ocupado por tropas austríacas, em 1821; e teria seus bens e propriedades confiscados em 1868, em consequência da Lei das Supressões Religiosas, de 1866. Em 1875, o mosteiro recebeu um observatório de meteorologia.
Quando as turbulências vividas pelo mosteiro e pela ordem na segunda metade do século anterior pareciam superadas, com a vida monástica tendo ressurgido em sua plenitude, eis que eclodiu o maior conflito bélico da História, ao final da terceira década do século XX.
A II Guerra chega a Cassino
Em 1943, o drama da II Guerra Mundial chega ao palco de Cassino, com as tropas Aliadas tendo sido barradas em seu avanço para o norte da península italiana, diante de uma poderosa linha de defesa construída pelos alemães, conhecida como Linha Gustav.
Estendendo-se do Tirreno ao Adriático, a Linha Gustav tinha como epicentro o maciço onde se assentava a cidade de Cassino.
A oeste de Cassino, erguia-se o monastério de Monte Cassino, uma construção que muito se assemelhava a uma fortaleza, e que dominava a própria cidade, o corte do Rio Rápido e a entrada para o Vale do Liri e a Via Casilina (Strata 6), que demandava a Roma, objetivo final do 15° Grupo de Exércitos Aliados, comandado pelo General Sir Harold Alexander.
O setor da frente do 15° Grupo de Exércitos em que se situava o maciço de Cassino fora atribuído ao 5° Exército dos Estados Unidos da América, comandado pelo Tenente-General Mark Wayne Clark.
Batalha por Monte Cassino
Ciente que era imperativo romper a Linha Gustav em Cassino, para irromper pelo Vale do Liri até Roma, Clark lançou seu ataque contra as bem-preparadas defesas alemãs, no dia 17 de janeiro de 1944.
Até o dia 12 de fevereiro, suas tropas chocaram-se contra uma verdadeira muralha no maciço de Cassino, sendo rechaçadas com grandes perdas. A tentativa da conquista das alturas demandou uma intrincada manobra, de difícil coordenação e controle, que envolveu divisões de vários países misturando-se em meio a ravinas e cotas, enquanto unidades atacantes eram esfaceladas, como foram as 34ª e 36ª Divisões do II Corpo norte-americano, cujos batalhões foram reduzidos a efetivos ao redor de cem homens.
Com o monastério de Monte Cassino elevando-se sobre a cidade de Cassino, o Rápido e o Vale do Liri, sua relevância como ponto-chave do dispositivo defensivo alemão naquele setor pareceu evidente aos comandantes Aliados, levando-os a concentrar sua atenção sobre o imponente conjunto de edifícios que compunham o mosteiro.
Começou, então, a cogitar-se a destruição do monastério, para negar aos alemães sua utilização.
Impasse sobre a destruição de Cassino
Entretanto, sérias dúvidas sobre se o histórico e religioso sítio estava sendo realmente ocupado por tropas alemãs pairavam e pesavam na decisão de se bombardear o local.
Essa decisão tornava-se ainda mais delicada devido a uma recente diretriz, expedida pelo então ainda Comandante-em-Chefe do Mediterrâneo, General Eisenhower, por meio da qual alertava os comandantes envolvidos no teatro de operações italiano sobre a necessidade de se preservar os ricos monumentos históricos do país, considerados verdadeiros legados à humanidade.
No documento, assinado em 29 de dezembro de 1943, Ike destacou que: “…se tivermos que escolher entre destruir um edifício famoso e sacrificar nossos próprios homens, então a vida de nossos homens conta infinitamente mais e os edifícios devem desaparecer…”, mas advertiu, também, que a opção pela destruição de eventuais sítios históricos não poderia estar embasada em mera “conveniência militar” ou “conveniências pessoais”, mas sim em absoluta “necessidade militar”, terminando por exortar os comandantes, em todos os níveis, a cooperar com o espírito daquela diretriz.
O quadro envolvia, além da preservação de um local histórico, o fato de Monte Cassino ser uma instalação religiosa, com acentuada importância para a Igreja Católica Romana, situada no país que abrigava o próprio Vaticano, e cuja população era composta de quase que cem por cento de seguidores daquela religião.
Apelos do Papa Pio XII por Cassino
O Papa Pio XII, em gestões diplomáticas junto aos contendores, obtivera a aquiescência do Marechal Kesselring de que os alemães não o ocupariam. Dos Aliados, entretanto, obtivera a tíbia promessa de que evitariam a destruição do monastério.
Por outro lado, a opinião pública entre os Aliados estava fortemente inclinada a apoiar a destruição do monastério, fomentada por notícias que davam conta da utilização do local para atividades militares alemãs. Mães e pais aflitos, principalmente na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, pressionavam para que seus filhos não fossem sacrificados pela mera necessidade de se preservar um conjunto de prédios.
O jornal Daily Mail, tabloide britânico de grande alcance popular, publicou, em sua edição de 11 de fevereiro de 1944, matéria intitulada “Nazis turn Cassino Monastery into Fort[1]”, propagando a ideia de que os alemães utilizavam o sítio histórico para fins bélicos. Outros periódicos, nos EUA e na Grã-Bretanha repercutiram manchetes semelhantes, reforçando a percepção que os alemães profanavam o templo religioso para usá-lo como santuário para suas tropas.
Dilema dos comandantes aliados
Entre os principais comandantes atuando na península da Itália, havia controvérsias se deveriam poupar ou não o monastério e se o local estaria, de fato, sendo utilizado pelas tropas do 10° Exército alemão.
Clark, com seu 5° Exército empenhado diretamente na penosa tarefa de romper a Linha Gustav em Cassino, esteve ausente da discussão na qual seria decidida a sorte da abadia, realizada em 12 de fevereiro, por se encontrar em Anzio, junto ao VI Corpo. Clark considerava desnecessário o bombardeio, mas não firmou sua posição, preferindo deixar ao Comandante do 15° Grupo de Exércitos, General Sir Alexander, a decisão final sobre a ação. Cabe ressaltar que Clark considerou as opiniões dos generais norte-americanos Keyes, Comandante do II Corpo, Ryder e Walker, comandantes da 34ª e 36ª Divisões, respectivamente, que se encontravam no terreno, envolvidos diretamente na frente de Cassino.
A voz que propugnava pela destruição do mosteiro vinha, principalmente, do influente General Freyberg, veterano da Primeira Guerra Mundial, de certa maneira sustentado pela popularidade alcançada nos combates no Norte da África, que o fizera bem-visto aos olhos da opinião pública do Reino Unido e do cada vez mais influente player na Campanha da Itália após a saída de Eisenhower, o Primeiro-Ministro britânico Winston Churchill. Freyberg, à frente de um Corpo formado pela 2ª Divisão Neozelandesa e pela 4ª Divisão Indiana, praticamente exigia que a abadia fosse arrasada, antes de lançar sua 4ª Divisão ao ataque. Argumentou que a simples eliminação da silhueta do mosteiro do horizonte de suas divisões teria um efeito psicológico favorável sobre elas.
O novo Comandante-em-Chefe do Teatro do Mediterrâneo, General Sir Henry Maitland Wilson, britânico como Alexander, a quem caberia, finalmente, a decisão de lançar o ataque aéreo contra o monastério, realizou um sobrevoo a menos de 300 metros de altitude sobre Monte Cassino, a fim de verificar pessoalmente se havia indícios de ocupação do local por forças alemãs.
Após a guerra, vários atores que participaram ativamente dos combates e outros que estavam no círculo restrito dos altos comandantes a quem competia a tomada da decisão de bombardear o monastério, deixaram claro que não havia alemães ocupando o local para direcionamento dos fogos de artilharia ou qualquer outra atividade militar.
No livro “With Alex at War[2]”, Sir Rupert Clarke, que foi ajudante-de-campo do General Alexander, revelou que o Comandante do 15° Grupo de Exércitos pode ter sido levado a concluir pela presença de alemães no mosteiro devido ao erro de tradução de uma conversação transmitida por rádio e interceptada aos alemães. Nela, a frase “– Ist Abt in Kloster?[3]” e sua resposta “-Ja. In Kloster mit Monchen![4]”, foram interpretadas como a confirmação que o mosteiro havia sido ocupado, pois a palavra “Abt” foi traduzida como a abreviação de “Abteilung”, que poderia significar “batalhão”, ao invés de “Abbot”, ou “abade”.
Outro oficial do Estado-Maior de Alexander, o Coronel Hunt, responsável pela Seção de Inteligência do 15° Grupo de Exércitos, também não confirmou que paraquedistas alemães estivessem no monastério, antes de sua destruição.
No entanto, a eventual interpretação errônea dessa transmissão alemã ou a constatação ou não da presença de suas tropas no mosteiro não foram decisivas para a tomada de tão importante decisão, que foi provocada mais pelas exigências táticas de Freyberg e sua influência e prestígio dentre os altos escalões militares e políticos de Londres.
Do outro lado, Rudolph Böhmler, autor de “Monte Cassino”, que comandou um batalhão de paraquedistas alemães em Cassino, é taxativo ao afirmar que o Marechal Kesselring, honrando a palavra empenhada junto a Pio XII, havia diligenciado para que suas tropas não chegassem a menos de 300 metros do mosteiro, e que um posto permanente da polícia italiana fora instalado à sua entrada, para preservá-lo.
A salvação do patrimônio de Cassino
Böhmler relatou, ainda, que uma verdadeira operação de guerra fora empreendida, por iniciativa do Tenente-Coronel Jules Schlegel, para retirar e transportar para o Vaticano as magníficas obras existentes no mosteiro e os preciosos e únicos volumes de sua rica e antiquíssima biblioteca.
Amante das artes e história italianas, Schlegel convenceu o abade, o prior e o bibliotecário do mosteiro, ainda em outubro de 1943, a anteciparem-se à iminente ofensiva Aliada que recairia sobre Cassino e salvarem os preciosos bens que abrigavam. Com grande impulsão, obteve ferramentas e material para fabricar caixotes de madeira, que pudessem acondicionar as obras de arte, os volumes e pergaminhos da biblioteca, para transportá-los até um lugar seguro, no Vaticano, por 130 quilômetros de estradas que se encontravam à mercê dos caças Aliados, que contavam com a superioridade aérea local.
Assim, até o dia 3 de novembro, quando concluiu a missão a que se obrigara, por inflexível impulso moral e senso de preservação da História e cultura cristãs, Schlegel logrou evacuar o precioso acervo do Monastério de Monte Cassino, empregando nessa “operação” 120 caminhões e vultosa quantidade de combustível, item tão carente e já escasso às divisões alemãs, naquela altura da guerra.
A decisão pelo bombardeio
Fato é que o General Alexander, na noite de 12 de fevereiro, convencido de que a destruição do monastério seria de fundamental importância para a próxima investida contra o maciço, tomou a decisão de levar adiante o bombardeio, a ser realizado três dias depois, na manhã de 15 de fevereiro de 1944.
No dia 14, a artilharia Aliada lançou panfletos de advertência sobre a área do monastério, concitando os monges e os italianos em geral a abandonarem o local.
Em italiano e em inglês, o conteúdo do folheto era o seguinte:
“Amigos italianos, ATENÇÃO!
Até agora, fomos especialmente cuidadosos para evitar bombardear o monastério de Monte Cassino. Os alemães souberam como se beneficiar disso. Mas, agora, o combate se aproxima cada vez mais do sagrado local. Chegou a hora em que nós devemos apontar nossas armas contra o próprio monastério.
Nós os avisamos, para que vocês possam se salvar. Nós os avisamos com urgência: deixem o monastério. Imediatamente. Respeitem este aviso. É para o seu bem. 5° Exército”.
A destruição do mosteiro
Na manhã de 15 de fevereiro de 1944, mais de duas centenas de aviões B-17, B-25 e B-26 lançaram aproximadamente 500 toneladas de bombas alto-explosivas e incendiárias sobre o milenar sítio. Em pouco menos de duas horas de ataque, edifícios que duraram por séculos deixaram de existir. Restaram de pé uma parte dos muros exteriores e parte da torre. Incontáveis e valiosíssimas obras, afrescos, estátuas e construções históricas foram sepultadas sob toneladas de escombros.
Seguiu-se, ainda, um bombardeio realizado pela artilharia dos Aliados, que aumentou ainda mais a agonia do abade, monges e das centenas de refugiados que permaneceram no local.
Estima-se em 250 o número de mortos em consequência do bombardeio aéreo e de artilharia contra o mosteiro.
No mesmo dia do ataque, o Abade Diamare assinou uma declaração em que atestava que jamais houvera soldados alemães dentro do monastério.
No dia 20, alemães do 1° Batalhão do 3° Regimento da 1ª Divisão de Paraquedistas ocuparam as ruínas de Monte Cassino e as transformaram em excelente posição defensiva e extraordinário posto de observação.
Vitória, enfim!
A luta pelo que sobrou do monastério perduraria, ainda, por mais três meses, até que, em 18 de maio de 1944, soldados poloneses tomaram o lugar e aprisionaram os últimos trinta defensores alemães, todos feridos e esgotados.
As baixas Aliadas para a conquista de Cassino elevaram-se a 55.000, entre mortos, feridos e desaparecidos. Os alemães perderam cerca de 20.000 homens na batalha, que passaria à História como “A batalha das nações”, pois lutaram e morreram, para a conquista daquelas alturas sobranceiras, soldados americanos, ingleses, franceses livres, argelinos, marroquinos, canadenses, italianos, indianos, neozelandeses, gurkhas nepaleses, escoceses, judeus da Palestina e poloneses livres, além dos inimigos alemães.
A máquina de propaganda nazista de Joseph Goebbels naturalmente explorou ao máximo a destruição do monastério de Monte Cassino, deixando aos líderes políticos Aliados – Roosevelt e Churchill – a ingrata tarefa de justificar à opinião pública os motivos que levaram à decisão de atacar o mosteiro.
Também os chefes militares Aliados, mormente Wilson, Alexander e Clark, tiveram de prestar contas do porquê decidiram por arrasar a abadia, e continuaram a fazê-lo, por meio da publicação de suas memórias, por muito tempo ainda, após o término da guerra.
A reconstrução do monastério
Exatos um ano após o bombardeio e destruição de Monte Cassino, em 15 de fevereiro de 1945, o Abade Diamare lançou uma simbólica pedra em meio aos seus escombros, anunciando uma futura reconstrução do mosteiro.
A reconstrução de fato iniciou-se em 1949, como um projeto do governo italiano. Após 10 anos, a obra foi concluída e, em 24 de outubro de 1964, o Papa Paulo VI foi à Monte Cassino, oportunidade em que reconsagrou sua basílica e proclamou São Bento como o Santo Patrono de toda a Europa.
A obra de reconstrução de Monte Cassino foi considerada um símbolo da luta pela reconstrução da própria Itália, e um grande feito do povo italiano nesse mister.
Obras sobre a Batalha de Monte Cassino
Duas magníficas obras tratam da Batalha de Monte Cassino, considerada a “Stalingrado da Frente Ocidental“, na II Guerra Mundial.
“Monte Cassino”, de Rudolph Böhmler, apresenta a visão do seu autor, que foi testemunha presencial da batalha, como comandante de um batalhão paraquedista alemão.
Já “Monte Cassino – Batalha de Nações”, de Dominick Graham, faz parte da Coleção História Ilustrada da 2a Guerra Mundial, editada pela Editora Renes.
Ambos podem ser encontrados em sebos e alfarrábios, por preços inferiores a um café com pão de queijo.
Confira!
MONTE CASSINO (LINK)
RUDOLPH BÖHMLER
EDITORA FLAMBOYANT
SÃO PAULO – 1966
MONTE CASSINO – BATALHA DE NAÇÕES (LINK)
DOMINICK GRAHAM
EDITORA RENES
RIO DE JANEIRO – 1974
[1] Nazistas transformam Cassino em forte.
[2] Na guerra, com Alex.
[3] O abade está no mosteiro?
[4] Sim. No mosteiro com monges.