A trégua de Natal

A Primeira Guerra Mundial teve início no dia 28 de julho de 1914, quando o Império Austro-húngaro declarou guerra à Sérvia. Esse ato desencadearia uma série de mobilizações e declarações semelhantes nos dias seguintes, devido à política de alianças, que prendiam os países europeus a seus aliados, em caso de conflito.

Em poucos dias, Alemanha, França, Rússia e Inglaterra cairiam nessa armadilha, que eles próprios haviam criado. O resultado dessa trama de alianças foi a eclosão de um conflito que envolveria vários países europeus; estender-se-ia a muitos outros, em diferentes continentes, assumindo um caráter global; e que se arrastaria por mais de quatro anos.

Na Alemanha, na Áustria, na França e na Inglaterra, no alvorecer da guerra, jovens voluntários acorreram aos postos de recrutamento, a fim de alistarem-se em suas respectivas forças armadas, motivados pelo nacionalismo, patriotismo ou, simplesmente, pelo desejo de participar de uma grande aventura.

Imbuídos dessa ilusão, desfilaram sob chuvas de pétalas de flores em Piccaddily Circus, na Unter Den Linden e nas principais praças e avenidas das capitais de seus países; foram aclamados nas pequenas aldeias de sua terra natal, enquanto embarcavam, orgulhosos, nos comboios que os levariam para a guerra, à vista e aos gritos de incentivo de seus aldeões.

Naqueles dias, tratava-se da “Guerra para acabar com todas as Guerras”. Nessa visão romântica, combatentes da Entente e dos Impérios Centrais acreditavam em uma campanha curta e decisiva, que os traria de volta em poucos meses. O mote desses jovens passou a ser: “Em casa, antes do Natal!”.

A dura realidade

No entanto, a violência dos combates mostrou-se inaudita; as batalhas iniciais, como a Batalha do Marne, a Corrida para o Mar e a Primeira Batalha de Yprés foram um choque de realidade para os inexperientes e sonhadores soldados franceses, belgas, alemães e britânicos.

O impasse que se seguiu forçou os exércitos antagônicos a se entrincheirarem, enquanto seus generais reconsideravam suas estratégias e os reorganizavam, buscando recompor os efetivos, devido às pesadas baixas iniciais, e completar seus estoques de munição.

A trégua de Natal em 1914

Eis que tal impasse, às vésperas do Natal de 1914, encontrou os exércitos oponentes entrincheirados face-a-face, à distância de poucos metros, na linhas de contato que se estendia do Mar do Norte à Suíça, no que passou a ser chamado de “Fronte Ocidental”.

Nas primeiras horas do dia 25 de dezembro, os alemães ao longo da linha de contato cessaram os disparos de armas leves e de artilharia. Em seguida, passaram a entoar hinos e canções natalinas. Velas e árvores de Natal improvisadas começaram  a surgir nas bermas das trincheiras das tropas do Império Germânico.

Logo, as tropas britânicas passaram a entoar suas próprias canções de Natal. Inicialmente, porém, os britânicos pensaram ser um ardil da parte dos alemães. No entanto, ao vê-los desarmados e desejando, em inglês, “Merry Christmas”, convenceram-se da sinceridade do seu gesto.

Em seguida, os britânicos também começaram a deixar suas trincheiras e iniciaram confraternizações na terra-de-ninguém. Compartilharam comidas e bebidas alcoólicas e trocaram presentes, como chocolates, cigarros, insígnias e peças de uniforme.

Os contendores aproveitaram o momento para recuperar corpos de camaradas caídos, trazendo-os para o seu respectivo lado e realizando seu enterro.

Enterro de mortos alemães e britânicos

Estima-se que essa voluntária e não formal cessação de hostilidades tenha envolvido cerca de cem mil combatentes, ao longo do Fronte Ocidental.

Até mesmo partidas de futebol foram improvisadas entre os beligerantes, no solo esburacado e cheio de crateras de bombas da terra-de-ninguém.

De volta à guerra

Esse interregno de paz, contudo, não prosperou.

Temerosos do crescimento de um espírito de não comprometimento com a guerra, com o surgimento de recusas de combater, motins e protestos pela paz, além da disseminação dessas tréguas informais, os chefes militares impuseram punições em alguns casos e expediram ordens que proibiam a confraternização com o inimigo.

Partida de futebol na terra-de-ninguém

Horrores em fim

A partir do ano seguinte, a guerra cresceu em número de países beligerantes, envolvendo cada vez mais soldados e exigindo de seus países o incremento da mobilização e o consequente aumento do fluxo de recompletamentos direcionados aos frontes, devido ao assustador volume de baixas que produzia.

O acirramento dos confrontos e a estratégia adotada pelos Aliados, de empreender grandes ofensivas no período 1915-1917, levaram a embates como a Segunda Batalha de Yprés, a Batalha de Verdun e do Somme, dentre outras, transformando, definitivamente, a guerra em um banho de sangue, praticamente impossibilitando a ocorrência de novas tréguas não-oficiais, eliminando, assim, qualquer resquício de tentativa de aproximação e camaradagem entre os combatentes inimigos.

Herança e homenagens

A trégua de Natal de 1914, no entanto, entraria para o imaginário popular e seria objeto de livros, canções, filmes e monumentos.

Essas obras foram erigidas como um preito àquele insólito episódio e como forma de transmitir às gerações futuras que seres humanos podem conviver, apesar das diferenças.

Dentre essas obras, destacam-se:

– Pipes of Peace, canção de Paul MacCartney, de 1983.

– All Together Now, canção do The Farm, de 1990.

– Joyeux Noël, filme de Christian Carion, de 2015.

– Em Frelinghien, cidade do norte da França, próxima a Lille e à fronteira belga, foi erguido um monumento, no local onde, no Natal de 1914, foi disputada uma partida de futebol entre homens do 1°Batalhão/Royal Welch Fusiliers, da Grã-Bretanha, e do Batalhão 371, do Exército Imperial Alemão. Os alemães venceram, por 2×1.

– Em Stafordshire, na Inglaterra, um memorial foi construído em homenagem àquela partida, ocorrida durante a trégua de Natal de 1914.

Em livro

Você pode conferir esse interessante e dramático evento em:

THE TRUE STORY OF THE CHRISTMAS TRUCE

Anthony Richards e Eva Burke

Greenhill Books

Yorkshire – 2021

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A trégua de Natal

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