Bofetadas da vitória

Gen George S. Patton Jr

 O então Tenente-General George Patton comandava o 7°Exército norte-americano na Sicília, após ter se destacado na campanha do Norte da África à frente do II Corpo, o qual assumira após a derrota daquele grande comando face ao Afrika Korps de Erwin Rommel, na Batalha do Passo de Kasserine, na Tunísia.

      Assumira uma força indisciplinada, evidenciando sinais de moral e autoestima baixos. Com sua personalidade forte e presença marcante, reverteu a situação em pouquíssimo tempo, levando o Corpo a recuperar sua autoconfiança e a obter vitórias sucessivas, até a rendição das forças do Eixo na região.

Operação Husky

      Galgado ao comando do 7°Exército, participou ativamente do planejamento da Operação Husky, na qual teve importância fundamental, após o impasse que se abateu sobre seus rivais britânicos do 8°Exército, comandados por Bernard Montgomery, seu desafeto.

      Inconformado com o papel secundário que recebera na operação, a despeito de suas ponderações, quando advogava tarefas que pudessem provar que os americanos estavam à altura, ou até em nível superior aos britânicos, Patton empregou sua inegável liderança e força de caráter para, literalmente, empurrar seus homens pelo interior montanhoso da ilha, obtendo vitórias que levaram o Comando Aliado  à concessão do papel relevante que sempre demandara para seu exército.

Liderança marcante

      Patton exercia a liderança junto à tropa por sua presença física nos locais da frente, mais próximos ao inimigo. Era comum ver seu carro-comando, um Dodge WC 56, de ¾ de tonelada, com a insígnia com as três estrelas de Tenente-General bem à vista, na frente do veículo, à direita, movendo-se entre as unidades mais avançadas. O general frequentemente conversava com oficiais e praças, exortando os primeiros a extraírem o máximo de suas unidades e a movê-las para a frente; e motivando sargentos, cabos e soldados a cumprirem o seu dever, que era, segundo ele, matar alemães, aos quais se referia sempre utilizando palavrões e expressões chulas, na linguagem da tropa, que logo o apelidaria de “Old Blood and Guts”, ou o “velho sangue  e tripas”.

Patton já provara seu valor e sua coragem nos conflitos que participara, na expedição punitiva ao México, em 1916, e na Primeira Guerra Mundial, na França, quando foi ferido em combate, ao atacar, com seus pioneiros Tanks, uma posição de metralhadoras alemãs, o que lhe valeria uma Purple Heart.

O espírito ofensivo e extremamente combativo de Patton, aliados a seu estilo de liderança, sempre próximo aos subordinados, o levariam a envolver-se em uma polêmica que quase lhe custaria a carreira, durante a campanha da Sicília.

As primeiras bofetadas

Essa polêmica surgiu em decorrência do famoso “incidente da bofetada”.

Na verdade, não fora apenas um, mas dois episódios de igual natureza, que ocorreram em um intervalo de sete dias.

Em 3 de agosto de 1943, o Comandante do 7° Exército visitava o 15° Hospital de Evacuação, estacionado próximo à cidade siciliana de Nicósia. Ao percorrer a seção de triagem do hospital, deparou-se com vários soldados feridos, aos quais dirigiu palavras carinhosas e distribuiu condecorações, acompanhado pelo Comandante do Hospital e vários militares da área da saúde que serviam naquela organização.

Patton, então, aproximou-se do Soldado Charles Kuhl, do 26° Regimento de Infantaria, que estava sentado em um banco, em uma barraca repleta de feridos. O general perguntou ao soldado onde era seu ferimento, ao que Kuhl respondera “- Nervoso. Acho que não aguento mais!” Enfurecido, o General Patton estapeou-o com as luvas, à altura do queixo, arrastando-o, em seguida, pelo colarinho até a saída da barraca, atirando-o para fora com um pontapé no traseiro. Aos gritos, Patton disse aos médicos: “- Não admita esse filho da puta…” e, ainda: “- Está me ouvindo, seu bastardo covarde? Você vai voltar para o fronte!”

Mais tarde, Patton expediu uma ordem a seus comandantes subordinados, determinando que casos semelhantes ao do Soldado Kuhl, que julgava mera covardia, deveriam ser tratados pelas próprias unidades, sem enviá-los para os hospitais, e que, caso insistissem em fugir aos seus deveres no combate, deveriam ser julgados e fuzilados por covardia.

Quanto ao Soldado Kuhl, foi verificado que se encontrava com febre de 39°C e, posteriormente, que estava acometido de malária, tendo sido evacuado para tratamento na retaguarda, no Norte da África.

Mais bofetadas

O segundo episódio ocorreu no dia 10 de agosto, quando Patton cumpria semelhante visita ao 93° Hospital de Evacuação. Na barraca destinada à triagem, o general, após conversar delicadamente com os militares feridos, à beira de suas camas, deparou-se com o Soldado Paul Bennett, do 15° Regimento de Artilharia de Campanha, que estava sentado, encolhido e tremendo. Patton o inquiriu sobre qual era o seu problema, tendo Bennett respondido que “– São os meus nervos!” “- Não aguento mais o bombardeio!”. O General Patton, enraivecido, estapeou lhe nas faces, gritando: “- Seus nervos? Você é um maldito covarde! Cale esse maldito choro! Esses bravos homens, que foram feridos, não verão um bastardo covarde sentado, chorando!” Patton, então, o esbofeteou uma vez mais, na cabeça, arrancando seu capacete. Virou-se para o médico responsável pela triagem dos feridos, ordenando-o para que não admitisse aquele soldado. Voltou-se, novamente, para Bennett, acrescentando: “- Você voltará para a linha de frente e você poderá ser atingido e morto, mas você irá lutar. Senão, eu o porei em frente a um pelotão de fuzilamento. Na verdade, eu mesmo deveria atirar em você, seu maldito covarde chorão!” Após essas palavras, Patton sacou de seu famoso revólver de cabo de madrepérola, tendo sido separado do Soldado Bennett pelo médico-comandante do hospital. Em seguida, saiu do local, gritando aos médicos que mandassem o soldado de volta à linha de frente.

Dias depois, o Soldado Paul Bennett foi diagnosticado como sofrendo de “neurose de guerra” aguda.

Repercussões dos incidentes

Os incidentes chegaram ao conhecimento do General Eisenhower, pelos canais médicos, o que o obrigou a apurar os fatos e a escrever para Patton, informando-lhe da abertura de uma investigação, questionando-o sobre sua veracidade e oferecendo-lhe a oportunidade para justificar-se, mas o advertindo que, se fossem verdadeiras as acusações, teria de haver uma reprimenda formal. Ike escreveu, ainda, que, caso os fatos fossem comprovados, deveria questionar seriamente o bom senso e autodisciplina de Patton, a ponto de levantar sérias dúvidas em sua mente quanto à sua utilidade futura.

Eisenhower também exigiu que Patton se desculpasse aos soldados envolvidos, ao pessoal médico que presenciara os episódios e a cada divisão integrante do 7° Exército.

Em 21 de agosto, George Patton recebeu o Soldado Paul Bennett, do incidente de 10 de agosto. Apertou sua mão e desculpou-se. Em 22 de agosto, recebeu os médicos e pessoal de saúde dos 15° e 93° Hospitais de Evacuação; no dia 23, foi a vez do Soldado Charles Kuhl, do incidente do dia 3 de agosto, com o qual também se desculpou e trocou aperto de mãos. Entre os dias 24 e 30 de agosto de 1943, dirigiu-se a cada divisão de seu Exército, terminando com a 3ª Divisão de Infantaria, quando se emocionou ao ouvir a tropa gritar “- Não, general!”, para evitar que ele tivesse de se desculpar.

O caso todo teria se encerrado na esfera de atribuições de Eisenhower, não fora seu vazamento para a imprensa, o que causou polêmicas no fronte doméstico, envolvendo parlamentares da Casa dos Representantes e da Comissão de Assuntos Militares do Senado; imprensa; chefes militares da ativa e da reserva; e a opinião pública em geral, com manifestações pedindo o afastamento do general e seu retorno imediato aos EUA e outras tantas clamando por sua manutenção nas frentes de batalha, uma delas, inclusive, do próprio pai do Soldado Charles Kuhl, que escreveu para o seu deputado, solicitando que o incidente fosse superado e que o General Patton não fosse punido.

Ostracismo

Apesar da controvérsia causada, o Secretário da Guerra dos EUA, Henry Stimson, e o Chefe do Estado-Maior do Exército, General George C. Marshall, referendaram a decisão de Eisenhower, e mantiveram o ardoroso general na Europa, para as ações futuras que ainda haveriam de ser lançadas contra o Eixo. Stimson preferiu pagar o preço dessa decisão na esfera da opinião pública e obter os ganhos futuros no campo militar.

Fato é que Patton permaneceria por onze meses afastado de um comando de combate. Após a Sicília, não fora empregado na Operation Dragoon, a invasão do sul da França. Foi mandado a vários locais no Mediterrâneo, ainda em 1943, o que atraiu a atenção dos alemães, que o viam como o líder de uma futura força de invasão ao norte da França, a partir da Inglaterra. Em janeiro de 1944, ocupando um papel central na Operation Fortitude, fora nomeado para comandar um “exército fantasma”, na Inglaterra, o fictício First United States Army Group, posicionado de tal modo a desinformar a Inteligência alemã, levando-a a concluir que a invasão da França seria feita pelo Pas de Calais, e não pela Normandia, e forçando-a a concentrar o grosso de suas forças naquele passo.

Não tendo sido informado da própria importância nessas operações de desinformação, Patton fora incumbido de treinar o 3° Exército dos EUA, que seria lançado pela França, em 1° de agosto de 1944, a partir da cabeça-de-praia, na Normandia.

A volta por cima

O resto é História. Patton faria uma campanha europeia espetacular, batendo todos os recordes de avanço com o seu 3° Exército, libertando inúmeras cidades ocupadas pelos alemães e conquistando outras tantas, na própria Alemanha, culminando sua progressão à beira do Elba, a 8 de maio e 1945.

O desempenho excepcional de Patton fora resultado, também, além de suas virtudes e dotes de soldado e comandante, de sua firme determinação em provar o seu valor, e de apagar a impressão deixada após os episódios das bofetadas, que quase lhe custara a carreira – e a glória.

Segundo o General Bradley, seu subordinado na Sicília e superior na corrida para a Alemanha, o soldado esbofeteado por Patton fizera mais pela vitória na Europa do que qualquer soldado do US Army.

Por Marcelo Pimentel

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